sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Brasil não cumpre o combinado com o ESO

Em 2010, no final do segundo governo Lula, o Brasil firmou um acordo com o ESO (Observatório Europeu do Sul). O Brasil passou a ser o décimo quinto associado deste grupo de países que mantém uma série de observatórios astronômicos no Chile. Nosso país é o primeiro membro não europeu. A cota brasileira é de cerca de duzentos e cinquenta milhões de euros, a ser paga em 10 anos. A primeira parcela deveria ter sido paga no início deste ano, mas isso não ocorreu. O que o Brasil perde com essa falha? Credibilidade internacional. Recentemente, é a segunda vez que o país entra em um consórcio internacional em ciência e tecnologia e não cumpre sua parte. A primeira vez ocorreu na década de 1990, quando o governo FHC assinou um acordo com o grupo responsável pela construção da ISS (Estação Espacial Internacional). O Brasil deveria contribuir com cem milhões de dólares e fornecer componentes para a estação. Foram disponibilizados apenas 10% do combinado, e as peças nunca foram entregues. O Brasil foi excluído do projeto.

O que o país perde com a nossa não adesão ao ESO?

  1. Possibilidade de ter acesso a telescópios de grande porte e periféricos de última geração: Esta característica é fundamental para a obtenção de dados de qualidade, que são essenciais para a formulação de modelos que descrevam a física dos objetos estudados.

  2. Possibilidade de capacitar nosso parque industrial em mecânica e eletrônica de alta precisão: O Brasil não só utilizaria os instrumentos do ESO, mas também contribuiria com a construção de periféricos e das estruturas mecânicas dos telescópios. Isso já ocorre nos projetos dos observatórios Gemini e SOAR, onde o Brasil forneceu espectrógrafos para o telescópio SOAR e a sua cúpula.

  3. Participação de nossas empresas nas licitações do ESO: Empresas dos países-membros participam de licitações para todo tipo de serviço ou produto utilizado pelo ESO. Isso pode resultar em transferência de divisas para nosso país.

Por que o MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia) não cumpriu sua parte? A versão oficial está associada ao contingenciamento de recursos em 2011 devido à crise internacional. De fato, o MCT perdeu cerca de 20% de seus recursos no ano passado.

Espero sinceramente que o Brasil entre para esta organização. A Astronomia brasileira não pode ficar estagnada. Estávamos estagnados antes da entrada do país nos projetos Gemini e SOAR na década de 1990. Não podemos correr esse risco novamente. É um caminho sem volta.




O autor deste blog observando no
 ESO de La Silla em dezembro de 1997


quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Observatório de Búzios - Parte 2

Algumas astrofotografias obtidas com o telescópio do Observatório de Búzios. Todas as imagens foram capturadas com a mesma configuração: câmera Olympus, filme Kodak Gold 100, tempo de exposição de 1/1000 s (curtíssimo!), em julho de 1989. (1) e (2): grupo de manchas solares; (3): Lua - Mares do Néctar e da Tranquilidade, obtida na semana em que se comemoravam 20 anos do pouso da Apollo 11 na Lua. Também obtive uma imagem da cratera Tycho, que publiquei no artigo de ensino de ciências "Experimentos Didáticos em Astronomia I: Determinação das Dimensões de Crateras Lunares" de 2005. Acredito que tenha sido a única publicação acadêmica que utilizou imagens produzidas neste observatório.


(1)


(2)


(3) - Mare Nectaris (centro direita) e 
Tranquillitatis (canto superior à esquerda).


quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Sonda Phobos-Grunt pode ter caido no Brasil

A agência espacial russa Roscosmos divulgou que a sonda Phobos-Grunt pode não ter caído no oceano Pacífico, como anteriormente divulgado. A nave pode ter atingido a região central do Brasil. Outra possibilidade é que a sonda tenha se fragmentado e caído nos oceanos Atlântico, Pacífico e na região central do Brasil. O sistema de controle aeroespacial brasileiro não confirma a detecção de objeto(s) entrando no espaço aéreo brasileiro no instante previsto para a reentrada da sonda. Desta notícia, acho interessante dois aspectos:

a) A agência espacial russa não sabe onde a nave reentrou. Isso poderia sugerir falta de expertise dos russos nesta matéria, mas não creio que isso seja correto. Para determinar a órbita de um satélite, é necessário que o mesmo seja acompanhado opticamente ou por radar. O problema é que os russos não possuem uma rede de acompanhamento de satélites em escala global, ao contrário dos EUA, que possuem uma rede de rastreio dessa natureza. Entretanto, não houve melhorias significativas na previsão do instante e local provável do impacto mesmo com os dados do SPACETRACK. Eventualmente, os parâmetros orbitais não são obtidos em tempo real.

b) Os radares da Força Aérea Brasileira podem não ter sido capazes de detectar um alvo em grande velocidade e altitude. Isso sugere algo preocupante, uma vez que nossa capital se encontra justamente na região onde fragmentos da sonda podem ter caído. Esta incapacidade pode ter origem instrumental ou ser causada pela falta de familiarização dos operadores com objetos dessa natureza. Acredito que a segunda hipótese é mais razoável. Em 1944, o sistema de radar inglês detectou diversos sinais que foram interpretados como mísseis V2 lançados para Londres. Os mísseis não vieram. Estes falsos alarmes foram associados, posteriormente, a meteoros esporádicos.

Como resolver a dúvida relativa à queda da Phobos-Grunt no Brasil? Provavelmente, o meteoro associado à sonda deve ter sido mais brilhante que a Lua cheia em algum instante da reentrada. Conforme a nave penetrou nas camadas mais densas da atmosfera, a sonda se fragmentou em pedaços menores. Tais fragmentos produziriam meteoros com magnitudes tão brilhantes quanto Vênus ou Júpiter. Em qualquer uma dessas situações, a reentrada da sonda seria facilmente visível da superfície. Portanto, se você, leitor, viu algo dessa natureza por volta de ~20-21h (hora de Brasília) do dia 15-01, reporte. O vídeo da TV russa RT sobre esta questão é apresentado abaixo:




terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Observatório de Búzios - Parte 1

O "Observatório de Búzios" era um observatório privado localizado na cidade de Búzios, na região dos Lagos, no estado do Rio de Janeiro. Foi construído entre 1987 e 1988 por um empresário da área de telecomunicações. Seu equipamento principal era um telescópio Celestron Compustar de 14". O instrumento estava abrigado em uma cúpula de 3,2 m de diâmetro da Ash Domes (Figuras 1 e 2).

Tive acesso ao observatório através de uma situação inusitada. Em 1989, eu tinha 16 anos e construía e vendia montagens equatoriais germanas para pequenos telescópios amadores. Para divulgar meu trabalho, utilizava classificados em jornais. Um dia, assisti a um documentário na TVE que mostrava a cidade de Búzios, suas belezas naturais e um observatório astronômico (!?!). Fiquei entusiasmado ao saber que havia um observatório amador tão bem equipado em meu estado. Para minha surpresa, após a exibição do documentário, um senhor ligou para minha casa à procura de oculares para seu pequeno telescópio refrator. Durante a conversa, mencionei o que havia visto na TV. O senhor me disse que conhecia o dono do observatório e ofereceu-se para me dar seu telefone. No mesmo dia, entrei em contato com o proprietário do observatório e agendei uma visita. Viajei para Búzios no fim de semana seguinte para conhecer o observatório.

Fiz algumas observações memoráveis em Búzios entre junho e novembro de 1989. Destaco a observação visual da brilhante galáxia "edge-on" NGC-4945, do superaglomerado da Virgem, que me proporcionou uma real percepção da minha pequenez cósmica. Na Lua, observei uma intensa e surpreendente sequência de Fenômenos Transientes Lunares. Também me deleitei com o azul-esverdeado do planeta Urano, que eu acreditava só poder ser observado in loco.

Esse estágio informal no Observatório de Búzios foi fundamental para minha decisão de ingressar na graduação em Astronomia quatro anos depois, e sou imensamente grato ao proprietário do observatório por essa inestimável oportunidade.

Anos mais tarde, o empresário vendeu a casa e o observatório (!!) a um casal de europeus, que montaram um restaurante e uma pequena pousada no local. A propriedade estava à venda quando escrevi esta postagem. Se eu tivesse os recursos necessários, compraria.

(1)

(2)


O colonialismo cultural na ciência

  Esta postagem é uma forma de catarse e também um registro para futuras gerações de cientistas brasileiros. Em 15 de dezembro de 2022, envi...