Esta postagem tem um caráter de reflexão e registro para futuras gerações de cientistas brasileiros. Em 15 de dezembro de 2022, enviei uma short communication para o The Astronomer’s Telegram (Atel), baseada em dados de dois asteroides próximos à Terra que observei em 2013 e 2014. Como observações desses objetos já haviam sido divulgadas no Atel, considerei razoável compartilhar meus resultados nesse mesmo canal, apesar do intervalo de tempo.
No dia seguinte, recebi um e-mail de um pesquisador do INAF/IAPS, em Roma (Itália), expressando surpresa pela submissão de observações realizadas quase uma década antes. Ele ressaltou que o Atel foi concebido para a divulgação de eventos transitórios, descobertas recentes ou requisições de acompanhamento, e não para confirmações de dados previamente publicados. Além disso, encaminhou uma cópia do e-mail ao editor do Atel. Em minha resposta, destaquei que dados não processados e publicados não contribuem para a ciência, e que a confirmação é parte essencial do método científico.
Ao buscar mais informações, constatei que o pesquisador em questão possui uma longa trajetória na astrofísica de estrelas variáveis e de altas energias, tendo publicado desde 1973. Esse histórico de pesquisa torna sua postura ainda mais intrigante, pois a ciência se constrói sobre a reavaliação e validação de dados.
A questão que se impõe é: por que um pesquisador experiente desconsideraria um dos pilares fundamentais do método científico? Uma possível explicação é o viés cultural. A tradição acadêmica europeia, historicamente dominante, pode levar alguns de seus representantes a adotar posturas exclusivistas sobre o que deve ou não ser publicado. Isso se torna particularmente relevante ao notar que o pesquisador faz parte de um grupo da IAU voltado à preservação de dados astronômicos históricos — o que torna sua reação ainda mais paradoxal.
A situação levanta outra reflexão: um pesquisador de uma nação do Norte Global teria recebido esse mesmo tipo de questionamento? O tom do e-mail indicava uma hierarquização implícita, onde a legitimidade da minha submissão foi questionada sem um motivo claro além do tempo decorrido. Curiosamente, passadas mais de 24 horas desde minha resposta, não recebi retorno nem do pesquisador nem do editor. Tampouco houve qualquer impacto sobre minhas credenciais no Atel.
Essa experiência reforça um ponto fundamental para cientistas brasileiros: não devemos nos intimidar diante de pesquisadores estrangeiros, independentemente de sua trajetória ou prestígio. Formação em universidades europeias ou norte-americanas não implica, por si só, competência excepcional. Muitos pesquisadores mantêm, ao longo de suas carreiras, linhas de pesquisa conservadoras, contribuindo com artigos em grandes colaborações, mas sem inovação substancial. Além disso, erros ocorrem em todos os níveis — em 2022, o próprio pesquisador que me questionou confundiu um pixel quente em uma imagem CCD com um outburst em um quasar.
Casos semelhantes ocorrem também no processo de revisão por pares. Já encontrei pareceristas de artigos sobre meteoros que demonstravam pouco domínio sobre estatística e probabilidade, conceitos que ensino a alunos do primeiro semestre da UFRB. Esses pareceres incluíam expressões informais como "laranjas e maçãs" ou "santo graal", que foram aceitas sem questionamento pelo editor da revista.
Este episódio não é um caso isolado. Já enfrentei desafios semelhantes ao interagir com pesquisadores italianos e, se considerar relevante, poderei abordar essa questão em uma futura postagem. Por ora, opto por manter a discrição quanto ao nome do autor do e-mail, respeitando sua trajetória acadêmica. Entretanto, considero necessário registrar este relato para fomentar uma discussão mais ampla sobre reconhecimento e equidade na ciência internacional.
Abaixo reproduzo a sequência de e-mails:
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Dear dr. Betzler, I was rather surprised to see in your ATel #15812 the
report of observations made nearly ten years ago! I was convinced that
ATels are supposed to be used to communicate new or very recent
observations to help follow-up by other observers, not to confirm old
observations already published on ATel at due time.
Sincerely yours
xxxxxx
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Associated Researcher at INAF/IAPS-Roma, Italy
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Dear Dr. xxxx,
Thank you for your email and your observations. However, I must remind you that there are thousands of gigabytes of data on our personal hard drives and in the observatories' public storage. If these data are not processed and published, they do not contribute to the development of science, and confirmation is an important part of that.
Sincerely
Alberto S. Betzler
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