sábado, 24 de junho de 2023

Telescópios – Perguntas e Respostas (Q7)

A espessura do espelho primário do meu telescópio é inferior àquela recomendada pela "lei do 1/6 do diâmetro". Isso implica que a parte óptica do meu telescópio é intrinsecamente ruim?

Não necessariamente. A chamada "lei do 1/6" foi amplamente divulgada ao longo do século XX por autores como Jean Texereau, em seu clássico How to Make a Telescope, e por Albert Ingalls, editor da coletânea Amateur Telescope Making. Essa regra prática foi muito utilizada por construtores amadores e recomenda que, para evitar deformações que prejudiquem a qualidade da imagem, o espelho primário tenha uma espessura igual a 1/6 do seu diâmetro. Essas deformações resultam, principalmente, da flexão do espelho sob seu próprio peso, o que pode alterar o alinhamento óptico e introduzir aberrações como astigmatismo ou trefoil.

No entanto, essa regra não é universal. Ela funciona bem como diretriz para projetos simples, mas não leva em conta a variedade de vidros usados, as propriedades térmicas dos materiais nem o projeto do suporte. A espessura ideal depende de fatores como:

  • o tipo de vidro utilizado, já que materiais como Pyrex, BK7, Flint, Crown ou borossilicato têm diferentes coeficientes de expansão térmica e rigidez;

  • a existência de um suporte bem projetado, com distribuição otimizada dos pontos de apoio;

  • o diâmetro do espelho e o nível de desempenho óptico desejado.

Espelhos finos não são necessariamente um problema. Em telescópios profissionais modernos, como os do Observatório Keck ou do Very Large Telescope (VLT), os espelhos são muito mais finos do que a proporção de 1/6, às vezes com espessura inferior a 1/20 do diâmetro. Esses telescópios utilizam materiais com baixíssima expansividade térmica, como Zerodur ou ULE, e são montados sobre suportes ativos controlados eletronicamente, que corrigem deformações em tempo real.

No contexto amador, é possível usar espelhos com proporções menores que 1/6 e ainda obter excelentes resultados, desde que o suporte seja adequadamente projetado. Por exemplo, um espelho de 30 cm de diâmetro e 2,5 cm de espessura (razão 1/12), feito com vidro Crown ou Flint, pode produzir imagens de boa qualidade se apoiado em um sistema de 9 ou 18 pontos bem distribuídos. Softwares como o PLOP ajudam a calcular a posição ideal desses pontos para minimizar deformações. Também é importante garantir que os apoios laterais evitem tensões indesejadas quando o telescópio muda de inclinação.

Além disso, embora a espessura não afete diretamente a dilatação térmica, espelhos mais espessos demoram mais a atingir o equilíbrio com a temperatura ambiente, o que pode causar aberrações temporárias durante o resfriamento da noite.

A tabela a seguir fornece valores aproximados para espessura mínima e tipos de suporte, com base em práticas comuns entre construtores experientes:

Diâmetro do espelhoEspessura mínima recomendadaTipo de suporte adequado
150 mm (6")25 mm (1/6)3 pontos
200 mm (8")33 mm (1/6)6 pontos
250 mm (10")42 mm (1/6)9 pontos
300 mm (12")50 mm (1/6)9 a 18 pontos
< 1/6 do diâmetroRequer projeto otimizadoUso de software como PLOP

Em resumo, uma espessura menor que a indicada pela "lei do 1/6" não compromete, por si só, a qualidade óptica do telescópio. O desempenho final depende de um conjunto de fatores, incluindo o tipo de vidro, o projeto mecânico do suporte e a colimação. Mais importante do que seguir regras rígidas é compreender os princípios ópticos e mecânicos envolvidos no funcionamento do sistema.

Telescópios – Perguntas e Respostas (Q6)

 O que é uma montagem dobsoniana?

A montagem dobsoniana é um tipo de montagem alto-azimutal para telescópios, amplamente utilizada em telescópios refletores newtonianos. Desenvolvida pelo americano John Dobson, essa montagem revolucionou a forma de suporte dos telescópios ao substituir o tradicional tripé por uma base composta por discos ou quadrados. Esta inovação permite o movimento do telescópio em torno dos eixos de azimute e altitude, possibilitando a construção de telescópios com grandes distâncias focais e/ou grandes objetivas de forma mais compacta e econômica.

Vantagens:

  • Baixo custo por cm de abertura: A montagem dobsoniana permite a construção de telescópios com grandes aberturas a um custo relativamente baixo, tornando-a uma opção acessível para observadores amadores.
  • Excelente ganho de luz: Devido à sua capacidade de acomodar grandes aberturas, a montagem dobsoniana proporciona um ganho de luz significativo, o que é vantajoso para observações astronômicas detalhadas.
  • Facilidade de montagem e uso: A montagem dobsoniana é simples de montar e operar, o que a torna uma escolha popular entre amadores e iniciantes.

Desvantagens:

  • Capacidade limitada de acompanhamento: A principal desvantagem é a necessidade de movimentar manualmente os eixos de azimute e altura para compensar o movimento aparente dos objetos no céu. Isso pode ser um inconveniente para observações prolongadas ou astrofotografia. No entanto, é possível adicionar sistemas de acompanhamento motorizado como alternativa.
  • Falta de buscador: Muitos telescópios dobsonianos comerciais (como os da Meade e antigos da Coulter Optical) não vêm com um buscador, que é um telescópio refrator de grande campo usado para localizar objetos celestes. A ausência de um buscador pode representar um custo adicional significativo, geralmente superior a US$ 50,00.
  • Volume e peso: A partir de aberturas superiores a 25 cm, o design dobsoniano pode se tornar volumoso e pesado, o que pode comprometer sua portabilidade.

Apesar dessas desvantagens, o telescópio com montagem dobsoniana é altamente valorizado por sua simplicidade, custo-benefício e desempenho em observações astronômicas. O acompanhamento manual é geralmente eficiente até aumentos de cerca de 150x, atendendo à maioria das necessidades de observação.

terça-feira, 2 de maio de 2023

Telescópios – Perguntas e Respostas (Q5)

Espelhos ou outros componentes ópticos feitos à máquina são ruins?

Não necessariamente. Máquinas usadas por alguns construtores amadores de telescópios no Brasil e pela esmagadora maioria das fábricas de instrumentos ópticos no mundo facilitam o tedioso e repetitivo trabalho de esmerilhamento e polimento. O teste destas ópticas é feito, como na época de Foucault, por humanos que julgam quais os movimentos futuros serão efetuados pela máquina para corrigir eventuais imperfeições. O ritmo industrial de produção, entretanto, exige a fabricação em um tempo reduzido, de maneira que ainda podem persistir pequenos defeitos.

Paciência, determinação e capricho é o que faz com que os construtores amadores, que não se valem de máquinas, atinjam precisões superiores nas superfícies ópticas àquelas de telescópios como Meade e Celestron, e não alguma propriedade especial inerente ao trabalho manual.

sábado, 8 de abril de 2023

Telescópios – Perguntas e Respostas (Q4)

Qual o melhor sistema óptico para telescópio? Refletor, Refrator ou Catadióptrico?

REFRATOR
Sistema ótico refrator

Sistema ótico refrator - Fonte: Homens, Planetas e Estrelas, Fundo de Cultura Brasil-Portugal

O sistema refrator emprega uma lente objetiva em uma extremidade do tubo. Essa lente coleta a luz e a direciona para a ocular. Seu uso remonta ao telescópio construído por Galileu em 1609. É portátil, requer pouca manutenção e oferece boa qualidade de imagem. Contudo, sofre com aberração cromática, minimizada em refratores acromáticos ou apocromáticos, estes últimos mais precisos e caros. Limitações mecânicas dificultam o uso de grandes aberturas.

Correção de aberração cromática

A aberração cromática pode ser corrigida com lentes convergentes e divergentes. Fonte: O Universo, Livraria e Editora José Olympio

REFLETOR
Telescópio refletor newtoniano

Sistema óptico newtoniano - Fonte: Homens, Planetas e Estrelas, Fundo de Cultura Brasil-Portugal

Telescópios refletores usam espelhos. O tipo newtoniano é o mais comum, com um espelho côncavo que reflete a luz para um espelho plano secundário, que a redireciona para a ocular. São ideais para objetos de baixo brilho e permitem grandes aberturas a custos acessíveis. Exigem colimação frequente e podem apresentar aberrações como coma e astigmatismo. O espelho secundário gera difração, criando o efeito de “estrela de Natal”.

Rádio-telescópio Cassegrain

Rádio-telescópios usam o sistema Cassegrain. Fonte: O Universo, Livraria e Editora José Olympio

CATADIÓPTRICO
Câmara de Schmidt

Exemplo de sistema catadióptrico: câmara de Schmidt. Fonte: O Universo, Livraria e Editora José Olympio

Combina lente corretora e espelhos. O modelo mais comum é o Schmidt-Cassegrain. Ele oferece portabilidade, alta versatilidade e grande distância focal em tubos curtos. Ideal para observação e astrofotografia. Seu ponto fraco é a condensação na lente corretora em noites úmidas.

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Telescópios – Perguntas e Respostas (Q3)

Montagem equatorial ou altazimutal: quais as vantagens e desvantagens de cada sistema?

Montagens são estruturas mecânicas que sustentam os tubos ópticos dos telescópios e permitem apontá-los para posições específicas no céu. Toda montagem executa dois movimentos em relação a um plano de referência: um paralelo e outro perpendicular a esse plano.

Na montagem altazimutal, os planos fundamentais são o horizonte e o meridiano astronômico do lugar. Os movimentos correspondentes são chamados de azimute (de 0° a 360°, contados a partir do sul astronômico no sentido sul-oeste-norte-leste) e altura (de 0° a 90°). Para acompanhar um astro, é necessário movimentar simultaneamente os eixos de azimute e altura, compensando a rotação da Terra.

Na montagem equatorial, o plano de referência é o equador celeste, que é a projeção do equador terrestre na esfera celeste. Os movimentos são feitos em ascensão reta (0 a 24 horas, a partir do ponto vernal, no sentido direto) e declinação (de 0° a 90°, positiva para o hemisfério norte celeste e negativa para o sul). Com esse tipo de montagem, é possível acompanhar os astros girando apenas o eixo perpendicular ao equador celeste, conhecido como eixo polar.

As montagens podem ser equatoriais (esquerda, alemã) ou altazimutais. Na equatorial, o eixo polar está inclinado de um ângulo j, igual à latitude geográfica do local. "P" indica o polo celeste visível (N ou S).

Nos polos geográficos, as montagens altazimutais e equatoriais tornam-se equivalentes em termos de movimento, já que o ângulo j é igual a 90°. Um desafio da montagem equatorial é alinhar corretamente o eixo polar com o polo celeste visível, o que pode ser complexo. Além disso, esse eixo deve estar inclinado conforme a latitude do local, exigindo o uso de contrapesos, o que aumenta o peso e o volume da estrutura.

Por esse motivo, muitos telescópios profissionais modernos utilizam montagens altazimutais. Elas são mecanicamente mais simples, mais leves e permitem reduzir o tamanho e o custo das cúpulas que abrigam os instrumentos.

Alguns telescópios amadores e profissionais e suas estruturas mecânicas

Refrator em montagem equatorial alemã


Telescópio ESO-OWL de 100 m com montagem altazimutal

Telescópios do Observatório de Haute-Provence (França) com montagens equatoriais do tipo chassi inglês. Da esquerda para a direita: telescópio de 1,93 m, de 1,52 m (gêmeo do telescópio do ESO), e o telescópio newtoniano de 1,2 m. A extremidade elevada do eixo polar é conhecida como píer. No exemplo acima, o píer norte é mais alto.


Duas imagens do telescópio Hooker de 2,5 m do Observatório Monte Wilson (EUA), com montagem equatorial de chassi. A barra no píer norte impede a visualização de astros circumpolares, problema corrigido no telescópio Hale.


Telescópio Hale de 5 m do Observatório Palomar (EUA), com montagem equatorial em ferradura que permite observações circumpolares.

Minha Vivência com o Colonialismo Cultural na Ciência

  Esta postagem tem um caráter de reflexão e registro para futuras gerações de cientistas brasileiros. Em 15 de dezembro de 2022, enviei uma...